Arquivo de poesia

amantes

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , , on Novembro 7, 2010 by João Carvalho

Seremos como dois pobres vagabundos
alongando as suas misérias na cidade,
por entre as ruas cobertas de lixo,
mas seremos ainda amantes.

Cobriremos as nossas duas faces
como a lua se cobre de negro,
quando se farta de tanta glória,
mas seremos ainda amantes.

Nos bairros negros da fome
os nossos corpos brilharão na luz fétida dos esgostos;
Nos olhos iluminados como archotes
seremos ainda amantes.

Como reis do estrume e da podridão
a nossa coroa será o arco-íris;
caminharemos no seu dorso até ao fim do mundo
como dois amantes.

Enfeitados com roupas de mil cores
confundiremos os olhos dos homens felizes
e cegaremos todos os outros para sempre.
E seremos ainda amantes.

Mesmo que a morte venha provar
o sabor dos nossos lábios,
escorrendo como sangue e lodo nas nossas veias,
ainda assim seremos amantes.

Seremos amantes para sempre,
enquanto as flores sangrarem
aromas de morangos e abelhas,
ao som dos nossos passos como mel.

(1989)

Sabes, o amor…

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , on Novembro 7, 2010 by João Carvalho

Sabes, o amor…

A grande árvore de raízes lentas…

Sim, o amor…

Os primeiros gestos,
as primeiras vozes:
é isso o amor?

Não, o amor não é isso
nem é outra coisa…

Sim, tu sabes…

A tarde e a morte juntas
enlouquecidas de raiva
e o vento rumorejante de ciúmes!

(1989)

o amor?

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , on Novembro 7, 2010 by João Carvalho

o amor?
o amor é assim um homem ter um lugar na cabeça
e uma dor nas mãos
que acontece quando aperta a cabeça entre as mãos
e depois o lugar mudar de lugar
(digamos o joelho esquerdo) e a dor permanecer na cabeça

o amor?
o amor é assim uma mulher ser um lugar dentro
(do joelho esquerdo) de um homem
e acontecer uma dor sem lugar quando aperta a cabeça
entre as mãos

(26 Setembro 2010)

esse momento

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , , on Outubro 25, 2010 by João Carvalho

Devia haver um domingo com um sol só para ti
de madrugada
onde a teu lado um frio triste desistisse nos teus ombros
uma noite que te deixasse assim ilesa
sem mais nada
uma manhã crescendo acesa de tudo o que já fomos

Devia haver a foz de um rio com o descanso da tarde
onde um céu de horizonte adormecesse em ti
o pensamento
um mar que te afogasse fundo a tua dor que arde
um silêncio se fizesse mudo   e fosse meu
esse momento

hoje terias 45 anos, “olhos sem cor”

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , , , , , , , , on Outubro 22, 2010 by João Carvalho

caiu uma noite de cimento
por cima dos teus olhos
e o tempo está quieto
faz horas que ali está
uma árvore talvez pudesse
arrancar uma lua dessa noite
e deixar-te a correr com o tempo
devagar
caiu uma noite sobre a tua árvore
e o tempo está quieto
o tempo está quieto
e tu passas  e abres ramos
tu passas  e abres olhos
devagar  sem cor

(2006)

e tu estás … aqui

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , , , on Setembro 30, 2010 by João Carvalho

Há um verde em ti com olhos de outono
e só quem não sabe o frio que faz em maio
não traz as folhas cheias de mãos para te dar
Há um verde   uma bruma
onde a manhã é   e os pássaros são
E em tudo encontro
um certo sabor fabricado para ti
uma sombra de tu não estares
está aqui   no meu sorriso
esboço um futuro
levanto os olhos e vejo o pássaro voar
espero   a manhã tem um tempo
e tu estás e eu aqui

pela tua mão

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , , , , on Setembro 27, 2010 by João Carvalho

hoje devia haver uma tarde azul de chuva no teu cabelo
às 18h horas em ponto devia chover como em Abril
hoje devia ser já Primavera neste Outono
haveria água das tuas mãos a cair em gotas como beijos de criança
eu haveria de ficar e perguntar pelo teu nome
(e fugir do nada do frio da noite)
e descobrir que o tempo dos teus olhos esteve em mim
eternamente
pois te vi sorrir como não há mulher que o faça assim

hoje um calafrio sentiu o coração de um homem
e um vendaval deseja atravessar um parque caído de folhas tristes
pela tua mão

queria roubar as tristes palavras mudas

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , , on Julho 31, 2010 by João Carvalho

queria roubar as tristes palavras mudas
que alguém deixou no teu coração
e deixá-las cair como folhas secas no chão dos plátanos
em pleno agosto
haverá um tempo em que as tuas mãos virão cheias
fazer uma colcha de árvores no meu abrigo
haverá um tempo com um sol de trapos coloridos
a romper pelos teus cabelos soltos
(que os queria sempre soltos na manhã)
haverá um tempo em que a juventude será o teu nome
haverá um tempo em que terei de partir um dia
mas até lá amor meu até lá
os frutos maduros do verão serão os teus lábios
e palavras não virão do chão crescer vazias
deixa o tempo fazer-se chuva dentro de ti
e a noite que tens só e triste morrer em tempestade
depois virás dizer-me da tua vida que ficou
eu estarei aqui rente ao inverno preparado
com todas as folhas do outono a arder nos meus olhos
e os meus braços abertos fechados sobre ti

Fim.

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , , , on Julho 27, 2010 by João Carvalho

O silêncio é um mar
com uma palavra muito grande dentro.

a vontade da terra revisitada

Posted in só na minha cabeça with tags , , , , , , , , on Julho 6, 2010 by João Carvalho

Onde a dúvida se atenua na esperança do sol nos cabelos ao fim da tarde. Onde a fala se cala e se perpetua no silêncio dos olhos murmurando o amor. Onde tudo é triste porque o amor existe. E faz calar a dor. Onde no mar impossível desse silêncio no azul da tarde se desfazem as lágrimas não caídas da alma. Onde te vejo no sol do verão quente que não começa. Onde te anunciei o amor que não te digo. Onde me perco no temor da palavra para que não te agrida. Onde te quero ao fim do dia e no nascer da madrugada e depois de novo ao adormecer porque a noite ainda é fria. Onde me renuncias no momento em que me olhas. Onde me olhas renunciando-me depois com os olhos quentes. Onde tudo é frio no sabor do fim da despedida. Onde sobre o ombro te procuro e me relanço na esperança desvanecida. Onde te encontro como se fosses minha e murmuro o teu nome como se o meu coração o guardasse para que a alma não esqueça a chama da vida. Onde a dúvida se atenua no tempo do sabor do teu sorriso. E murmuro o teu nome. E murmuro a noite que se anuncia. Onde te refugias na certeza da tua vida. Onde te aguardo quero que saibas para sempre. Onde serias minha na loucura da dança matinal onde os cães nos acordam do desespero da noite tranquila. Onde eternamente de mim fazes parte desde esse momento da maré baixa do coração vazio. Onde penso que és a mulher da minha vida. Onde sempre te conheci em seca espera e hoje me renovo e encontro em ti com a certeza da fé que não mostrava. Onde sempre te amei no desconhecido do passado que não tivemos. Onde te amo no presente do futuro que te sonho. Onde no vento repentino as ervas se inclinam sob o teu perfume. Onde me deito sobre elas no amornar adormecido que me invade. Onde é clara a certeza da vontade desse sono profundo. Onde é rara a promessa desse acordar desesperado. Onde o gesto sem mágoa te mantêm a doçura. Onde a ternura se adensa nas tuas mãos tão pura. No perfumado aberto da palavra. No sensualíssimo olhar do desespero. Onde rodopiante se apressa o rio ao teu encontro e o destino vagaroso do mar ondula no silêncio. No entardecer da tristeza prolongado. No limiar da sombra que cai à tua espera. Desconcebo o que sou e ausente de mim próprio te sonho distante e feliz. Na esperança das mãos. Das mãos abertas suportando o vento benéfico das coisas que amas. Nas mãos às quais me entregaria num som derradeiro e definitivo que o amor pudesse ecoar. Nas tuas mãos nuas e nunca para mim. Nas tuas mãos desertas do calor húmido dos meus lábios. Nas tuas mãos no abraço dos meus olhos procurando os teus. Nas tuas mãos que se demoram nas coisas eternas que fazes. Nas tuas mãos que o vento entrelaça e morde carinhoso. Nas tuas mãos em que morreria descansado na certeza de que me cerrariam os olhos suavemente. Nas tuas mãos onde ainda vivo morro diariamente no ciúme desse vento calmo. Sim, no entardecer das mãos onde o vento morre triste e o amor se deita em sonhos prolongados.

E sei que és a mulher da minha vida. A mulher dos cabelos como cavalos do mar perfumando o dia amargo em sereno sobressalto. Como cavalos de assalto na areia branca da manhã preenchendo o ar no relinchar da vida. Perfumando a vida. Mulher alada mulher amada inteira nos rochedos da noite sonhada dessa maneira. Mulher esperada no desertar dos dias. Mulher ansiada na noite clara sem lua. Mulher onde o outono se despe das folhas nos teus olhos. Mulher que o outono abraça nas mãos dos plátanos a figura. Mulher que a terra conhece pelo alvo perfume dos pés de lua.

Onde te desejo nos tons verdes do mar e na crina galopante dos cabelos. Onde te desejo não há voltar. Onde te desejo no amarelo torrado da areia das ondas. Onde te desejo no horizonte longínquo do nevoeiro. Onde te desejo no som contínuo da vida. Onde te desejo no mergulhar da vida no vôo da ave repentina sobre o lençol da espuma verdejante da maré antes da terra se apoderar do cinzento dos teus olhos. Onde te desejo na planície ondulante dessa terra. Onde te desejo na certeza da vitória dessa guerra. Onde te desejo na cruz do casario branco do promontório. Onde te desejo no cheirar líquido das flores sobre os muros. Onde te desejo no contorno sibilante da paisagem dos rochedos. Onde te desejo nos caniços mareados pelo som do mar quando no vento descansam revoltados. Onde te desejo na areia que pisas e na água oca do mar que te contorna a figura. Onde te desejo na vontade inquieta dos braços que te deixam segura. Onde te desejo não há tristeza mas a alegria da vida nova e bela. Onde te desejo não há certeza mas a vontade da terra e do mar se dar a ela.